Encontro Nacional

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quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Adulto

Algumas pessoas deitaram-se aos dezessete anos e acordaram aos quarenta, cinquenta anos, olharam para si mesmas e não se reconheceram. Olham o espelho e não conseguem se identificar na mulher ou homem que se tornaram, olham a casa, os filhos e as responsabilidades e se entendem estranhas em meio a tudo isso. Olham para os filhos, sabem que são seus filhos, mas sentem-se incapazes de serem pais ou mães. Chegam ao trabalho, sobre a mesa repousa um crachá onde se lê “gerente”, mas não entendem como chegaram até a gerência! O estranhamento consigo mesmo se deu após uma visita na casa dos pais em que a mãe, uma senhorinha muito simpática anunciou à filha, já com seus quarenta e cinto anos: “Minha filha, quem diria que um dia você seria essa mulher forte, corajosa, mãe de dois filhos, gerente de uma empresa. Enfim, uma mulher adulta”.
Não foi intencional, mas a mãe colocou a filha diante do espelho, algo que até então ela não tinha feito. O interessante é que ao se ver, ela não se reconheceu como uma mulher com quarenta e cinco anos, mãe de dois filhos e gerente de uma empresa. O que ela vê dela mesma é aquela menina que terminou o ensino médio, a menina que recém começou o namoro, que queria ser advogada. O que aconteceu para que, ao ser colocada diante de si mesmo tivesse este estranhamento? Como que desde os dezessete até os quarenta e cinco anos não houve esse estranhamento?  Ocorre que ao longo desses vinte e oito anos a menina apenas seguiu o curso das coisas. Pouco tempo depois de arrumar o namorado acabou por engravidar e o sonho de ser advogada foi abortado em detrimento ao filho que nasceu. Seu namoro com o que parecia ser o amor de sua vida durou o suficiente para ter mais um filho, exatamente dez anos.
Essa mulher de quarenta e cinco anos agora tem uma crise de identidade e idade, primeiro, porque ela não tem a idade que tem e depois porque não é quem a mãe descreveu. Diante desta crise vem parar na terapia, porque alguns dias depois de se reconhecer como uma menina de dezessete anos em um corpo de quarenta e cinco a mãe de dois filhos começa a se comportar como uma adolescente. Natural, o que ela reconhece dela mesma tem dezessete anos, mais nova que sua filha mais nova que tem dezoito. A filha estranha as novas roupas da mãe, principalmente o comportamento sexual da mãe, que agora namora um rapaz muito mais jovem, fez uma tatuagem de borboleta e agora fala gírias. Na vida profissional a situação fica interessante, ela volta a estudar, vai fazer direito, nada de estranho, vai retomar de onde parou. Mas e a vida adulta que ela tinha até dias atrás?
A grande dificuldade para esta mulher pode ser entrar num consenso entre a idade que ela voltou a ter, dezessete, e a idade que realmente tem, quarenta e cinco. Em Filosofia Clínica o que se faz para que esta pessoa consiga equacionar todos os elementos que entraram em movimento com os que já estavam em movimento chama-se atualização. A mãe de dois filhos pode buscar elementos da juventude dela que ela pode viver hoje, adaptando-os à realidade atual. Esta adaptação se faz necessária para que os elementos de sua adolescência possam compor com os elementos de sua vida adulta. A partir da história de vida desta mulher, o filósofo buscará os elementos da juventude e junto com ela irá adaptá-los a sua vida adulta. A questão não é deixar de viver aos quarenta coisas da juventude, mas de viver a juventude do jeito que é possível aos quarenta. Algumas pessoas não se tornam adultas, mas acordam um dia adultas e precisam equacionar o jovem que tem dentro de si com o adulto que precisam ser.

Rosemiro A. Sefstrom

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