Encontro Nacional

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sexta-feira, 23 de maio de 2014

“Eu não queria que fosse assim”

Há muito tempo, quando comecei minha caminhada como terapeuta, um grande mestre contou-me uma história. Disse ele: “Há muito tempo, quando comecei minhas pesquisas para elaborar a Filosofia Clinica atendi um homem que procurou por meu auxílio. No atendimento fiz o que era possível ter feito, dada a história de vida da pessoa e suas implicações práticas. Depois de alguns atendimentos, num certo dia, recebo a notícia de que a pessoa que atendia havia se suicidado. Fiquei desolado, pensei em parar com tudo o que estava fazendo, mas antes disso conversei com um homem que considero muito sábio. Este homem, ouviu atentamente tudo o que lhe contei e ao final sentenciou: “Você não acha muita arrogância decidir até quando o outro deve viver?” Essa versão está um pouco distante da original, até mesmo por uma questão de ética.
Guardei profundamente essas palavras e diariamente, ao atender cada pessoa lembro que acima de tudo, a decisão cabe à pessoa. Esta semana um colega me contava em uma conversa que seu casamento estava ruim, seu filho não queria mais morar com o casal, havia decidido ir morar com os avós. Esse colega sentou com o filho e ponderou o quanto seria importante ele permanecer em casa, convivendo com a família. Depois de ouvir atentamente sua história ponderei: “Para quem é importante que ele permaneça em casa?” A pessoa desmoronou, disse que senão fosse o filho, provavelmente o casamento estaria terminado. O filho era o único laço que restara entre ele e sua esposa.  Segundo ele: “Não queria que fosse assim”.
O que este pai queria para o filho não tinha nada a ver com o filho, mas com o que ele queria para si. O mesmo aconteceu com o terapeuta, queria que a pessoa a qual atendia continuasse vivendo, mas não era bem assim que seu partilhante entendia. Algumas coisas, para não dizer a maioria das coisas que nos rodeiam funcionam independentes de nossa vontade. Um dia, caso você levante mais tarde, vai perceber que o sol nasceu, que o ônibus passou, que os passarinhos cantaram. O mundo e tudo o mais que há nele é modificado pelo simples fato de existirmos, mas nem por isso ele fará o que queremos. 
Querer que uma determinada escolha seja diferente diz respeito às buscas, o que eu quero. Mas, nossas buscas são nossas, por mais que entenda ser minha a melhor ideia, o melhor caminho. O que eu busco pode ser totalmente diferente do que a outra pessoa busca. Há meninas que se casam por que tem que se casar, não porque tem interseção com seu companheiro. Quando percebem que isso é uma grande bobagem se separam, não queriam que fosse assim, mas foi.
Nossas escolhas afetam-nos, mas as escolhas de outras pessoas também podem nos afetar. Isso dependerá do quanto colocamos na mão do outro o nosso poder de direcionar a nossa própria vida. O que queremos que seja pode ser só para nós, é preciso entender que o outro pode querer diferente.

Rosemiro A. Sefstrom

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