Encontro Nacional

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quarta-feira, 2 de abril de 2014

Apenas palavras

Palavra pode ser entendida como um conjunto de letras que significam algo. Ao longo da história da linguagem a palavra aos poucos deixou de ser ação: do primeiro grunhido primata às palavras mais bem elaboradas dos dias atuais o que se percebe é a distância entre a ação e a reflexão. Nos primeiros idiomas, por exemplo, entre os egípcios, a palavra era construída com símbolos retirados da realidade como uma águia, uma perna, uma pedra. Anos mais tarde os Sumérios desenvolveram a escrita Cuneiforme, que eram marcas feitas com um palito em uma tábua de argila. Depois destes vieram os Fenícios que desenvolveram o primeiro alfabeto, o qual continha apenas as consoantes. Os gregos, aproveitando-se deste alfabeto, inserem as vogais e constroem o alfabeto que é a base para o idioma que hoje falamos, o português.
Essa breve história do alfabeto mostra que no início o homem tinha a palavra vinculada aos objetos reais, já nos dias de hoje a letra “A”, por exemplo, só existe enquanto pensamento. Entre os gregos ainda a palavra era considerada uma ação, tanto que entre os gregos falar mal de um deus era atentar contra seu deus sob o risco de ser punido. Entre os cristãos os Dez Mandamentos também consideram a palavra uma ação, tanto que o segundo mandamento diz: “Não falarás o Santo nome de Deus em vão”. No entanto, não é isso que acontece nos dias de hoje. Concorda com isso o pensador Zygmunt Bauman que fala sobre as relações entre as pessoas via Facebook. Hoje, diferente dos dias em que a palavra era considerada uma ação, a palavra vale cada vez menos, sendo uma das grandes provas disso a crescente busca pelos cartórios para firmar acordos. O que antigamente, como se diz no Rio Grande, era no “fio do bigode”, hoje só vale se for preto no branco, se estiver especificado por escrito, levando em conta todas as armadilhas jurídicas possíveis.
As relações antes tinham uma base firme por meio do diálogo, em que um tinha plena confiança no que o interlocutor dizia, pois a palavra era uma verdade, um compromisso. Hoje as relações continuam sendo construídas sobre a palavra, mas estas agora já não servem mais como verdade, porque posso, por exemplo, postar no “Face”, mas logo depois apagar. O que para Sócrates era impensável, dizer algo que fosse inverdade para sustentar-se vivo, hoje é feito por muito menos. Para Sócrates o que ele dizia fazia parte dele, definia a ele mesmo, enquanto pregava estava falando de si mesmo enquanto pensador, enquanto pessoa. De certa forma este pensador, assim como muitos outros, têm clareza de que o que dizem define a si próprios.
O jovem que cria sua pagina no “Face” e ali começa a divulgar suas músicas, filmes, assuntos, fotos, não percebe que está definindo a si mesmo. Muitos destes jovens criam no ambiente virtual uma pessoa que não existe de fato, é um ser apenas reflexivo. Uma pessoa com quem se pode relacionar apenas via “Face”, pois no mundo real ela não existe e qualquer um que a conheça “face” a “face” perceberá a distância entre o ser virtual (reflexivo) e o ser real (ação). A ação já não é mais valorizada como foi entre os filósofos que davam suas vidas pelo seu discurso, facilmente hoje pode-se apagar um comentário na internet.
A palavra já não é mais entendida como base para a verdade, pois não é mais considerada uma ação. Hoje a palavra tem um valor tão pequeno que só tem valor se houver provas de sua veracidade. O jovem criado a partir das próprias palavras tem cada vez menos crédito, justamente por não dar crédito às próprias palavras.

Rosemiro A. Sefstrom

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